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Um novo horizonte de cores
- Urbanismo e Paisagem
- VivaOnline
- 9 de outubro de 2020
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Como o CURA (Circuito Urbano de Arte) tem transformado a paisagem da capital mineira e promovido a arte urbana
Tradicionalmente, os ambientes urbanos têm o cinza como cor predominante. As construções em concreto e o asfalto reforçam o ar pesado e frio das grandes cidades do mundo. Mas Belo Horizonte tem saído desse lugar comum graças ao CURA (Circuito Urbano de Arte). O projeto é o responsável por criar a maior galeria de arte a céu aberto do mundo e encher a capital de cores.
De acordo com Juliana Flores, idealizadora do CURA, ao lado de Janaína Macruz e Priscila Amoni, o projeto “surgiu do sonho do Thiago Mazza e da Priscila Amoni de pintarem empenas no centro de BH. A partir desse sonho nos unimos e sonhamos ainda mais alto: criar um festival que colocasse Belo Horizonte no mapa mundial de street art”. Além disso, o CURA também tem como objetivos “promover os artistas de BH, a cena de arte urbana da cidade, proporcionar encontros entre nomes locais e internacionais e dar espaço pras artistas mulheres mostrarem seu talento’’, ressalta Juliana.
Com uma ideia tão ambiciosa na cabeça, o festival precisa de uma grande quantidade de profissionais e parceiros envolvidos para materializar cada ação. Além das idealizadoras, o CURA conta com uma equipe de produção geral e uma de produção de base, uma equipe de reparo de empenas (fachadas laterais cegas (sem janelas) de grandes edifícios), de comunicação, de gestão financeira e os convidados do evento.
A primeira edição do projeto, que aconteceu em agosto de 2017, pintou 4 empenas e 2 muros, um na Estação Central do Metrô e outro na Rua Sapucaí. Em dezembro do mesmo ano, o CURA promoveu uma edição especial em homenagem aos 120 anos da capital e entregou mais 2 prédios. A última edição, em novembro do ano passado, produziu mais 4 empenas e 2 muros. As obras ligadas ao Festival têm entre 450 e 1780 metros quadrados e todas podem ser visualizadas do mesmo local: a Rua Sapucaí, no bairro Floresta, que já se transformou em um ponto de referência da cidade. Juliana Flores conta que a ideia de transformar o mirante dessa rua em uma galeria a céu aberto surgiu a partir da visita técnica feita pelas idealizadoras. “O conceito inicial era realizar um festival de pintura de empenas dos edifícios do Centro de BH. Quando fomos à Rua Sapucaí mapear os prédios, a Jana Macruz sugeriu: por que não escolher somente prédios que possam ser vistos daqui e assim criarmos um espaço de contemplação?”.
Para Jéssica Andrade, 26 anos, relações públicas e frequentadora da Sapucaí, a ideia de Janaína Macruz fez todo sentido, “eu amo essa rua, ela tem sido minha escolha para aproveitar os finais de semana nos últimos tempos. É um ótimo lugar para observar a cidade e contemplar os paredões de arte”. Outra vantagem percebida por Jéssica é a valorização da arte de rua, que muitas vezes é menosprezada.
Quadro: Edições e Obras do Festival Cura
1ª Edição – 2017 | |||
PRÉDIO | ENDEREÇO | ARTISTA | TAMANHO |
Edifício Rio Tapajós | Rua da Bahia, 325, Centro | Acidum Project (Tereza Dequinta e Robézio Marqs) | 850 m² |
Edifício Satélite | Rua da Bahia, 478, Centro | Thiago Mazza | 450 m² |
Edifício Trianon | Rua da Bahia, 905, Centro | Marina Capdevilla | 800 m ² |
Hotel Rio Jordão | Rua Rio de Janeiro, 147, Centro | Priscila Amoni | 850 m² |
2ª Edição – 2017 (aniversário de BH) | |||
PRÉDIO | ENDEREÇO | ARTISTA | TAMANHO |
Edifício Príncipe de Gales | Rua Rua Tupinambás, 179, Centro | Davi de Melo Santos | 1000 m² |
Garagem São José | Rua Tupis, 70, Centro | Milu Correch | 1750 m² |
3ª Edição – 2018 | |||
PRÉDIO | ENDEREÇO | ARTISTA | TAMANHO |
Amazonas Palace Hotel | Av. Amazonas, 120, Centro | Hyuro | 1060 m² |
Edifício Chiquito Lopes | Rua São Paulo, 351, Centro | Criola | 1365 m² |
Edifício Satélite | Rua da Bahia, 478, Centro | Comum | 570 m² |
Edifício Satélite | Rua da Bahia, 478, Centro | 21 artistas | 540 m ² |
Para a realização do Festival, as idealizadoras enfrentaram algumas questões burocráticas. Além do mapeamento e escolha dos edifícios, é necessária a autorização dos condomínios, um processo que pode demorar, já que para a aprovação da pintura, é necessária a realização de uma assembleia geral. “Para a primeira edição, foi complicado convencer os prédios a liberarem as fachadas porque percebemos que havia um desconhecimento sobre o graffiti e o mural. Mas depois que realizamos a primeira edição, o que acontece é o prédio pedir pra participar do festival”, destaca Juliana Flores.
Até agora, o projeto já reuniu mais de 30 artistas, com raízes e conceitos diversos. A escolha dos artistas participantes fica por conta das curadoras do festival. Juliana conta que alguns critérios guiam as escolhas: 50% são vagas destinadas para mulheres e 50% a artistas locais. Mas, um outro ponto também é levado em consideração, a diversidade estética. A pluralidade é uma das bases que norteiam o Circuito Urbano de Arte, permitindo assim que a troca entre artistas e o público seja mais ampla e mais significativa. Para Priscila Amoni, idealizadora e uma das artistas do CURA, essa foi uma das experiências mais fortes da sua trajetória artística. “Pintar a fachada de um prédio no coração do hipercentro da minha cidade natal significa muito, e a mensagem tinha que ser o mais espiritual possível para mim. Essa experiência desencadeou muitos processos pessoais de cura, e muito me acrescentaram”.
Priscila foi a responsável por uma das obras de maior destaque do festival, um mural com 850 metros quadrados, no edifício Hotel Rio Jordão. A pintura tem recebidos muitos elogios, “é muito gratificante quando vejo o feedback das pessoas, dizendo que a imagem as afetou de alguma forma. A grandeza dessa imagem, por incrível que pareça, só me fez querer diminuir meu ego, me ver como um grão de areia, e deixar que a arte fale por si’’, relata Priscila. E a obra não foge em nada da sua linha artística, “sempre pinto mulheres em relação a plantas de poder. São mulheres curandeiras, transmutadoras, bruxas, aplicando a benção ou fazendo alguma reza ou trabalho espiritual por meio de plantas. O trabalho no centro da cidade é isso, uma mulher afro-brasileira representando a ancestralidade, e as plantas que ela tem nas mãos trazem esse significado de CURA”, explica Priscila.
Quem pensa que o projeto envolve apenas a produção das obras, está enganado. Em cada uma de suas edições, além de poder acompanhar ao vivo a pintura dos murais, o público pode participar de diversas ações especiais realizadas pelo CURA. A programação na rua Sapucaí conta com oficinas, feiras de arte, sessões de cinema, bar, debates, entre outros. É um festival completo que fomenta a arte urbana e a cultura de rua, atraindo muitos turistas pra cidade. Para valorizar ainda mais o projeto e seus admiradores, a Belotur em dezembro de 2018, disponibilizou duas lunetas fixas e públicas para melhorar a experiência de quem visita o local. Para o empresário Júlio Martins, 32 anos, os painéis no centro da capital são uma forma de incentivar os investimentos no cenário cultural. “Quanto mais acessível for a arte, independente da sua linha, mais pessoas se interessarão pelo assunto, fazendo com que as autoridades e empresas disponibilizem mais recursos para o setor. Todos saem ganhando, a cidade, a população e o setor privado”.
Finalizada essa primeira fase, o CURA promete seguir em frente e colorir ainda mais a capital, “pretendemos realizar o Cura em outros mirantes de BH, já que a cidade tem essa geografia privilegiada que nos permite criar vários mirantes de arte urbana”, afirma Juliana Flores. Priscila Amoni também reforça os planos futuros do festival, “para mim quanto mais arte nas ruas, nas paredes, mais expressão do povo que a cidade habita, menos opressão da nossa força criativa. É como se lê nos muros: ‘‘paredes brancas, povo mudo’’.