Lu Mattos apresenta seu universo “Poptrópicosfera” em show que exalta a diversidade musical
Pandemia
Estamos em 2020 e nunca tinha atravessado uma situação tão calamitosa. Me parecia um cenário de guerra. Escolhas de prioridades e condutas de exceção sendo transformadas em rotinas. Roleta russa.
Chego ao bloco cirúrgico. O clima era tenso e os cirurgiões se aglomeravam naquela sala aguardando uma resposta da coordenadora para colocarem seus casos cirúrgicos a serem executados. Semblante sério, quando veio a informação que somente emergências poderiam adentrar para serem realizadas. Aos leigos, seriam os pacientes com risco iminente de morte e que não permitisse adiamento. O motivo vinha da farmácia central que acusava o triste momento que nos encontrávamos onde os estoques de medicações usadas em anestesia estavam quase finalizados. Todos os esforços para o controle do tratamento da pandemia do COVID-19.
Me remeti aos idos de 2002!! Bairro Amazonas em Contagem era o cenário. Agora era só atravessar a rua para tomar um café. Sexta feira à noite, vindo de BH após um dia duro de trabalho, nada melhor que um café na padaria em frente para reanimar a mente!! Dr Leonardo Lage, médico cirurgião amigo e companheiro de plantão sempre foi um estímulo motivador, pois me recebia com um sorriso contagiante, e era ávido por avaliar os casos na urgência. Brilho nos olhos com as discussões de técnicas operatórias para os possíveis futuros casos que poderiam chegar vítimas da violência doméstica. Para quem não conhece um pronto-socorro, muitas vezes se parece mais uma delegacia que hospital. Nós éramos os únicos cirurgiões do município e, qualquer acidente seria referenciado para aquele hospital inicialmente. Ânimo renovado após o café com pão de queijo, era só atravessar a rua e voltar para dentro do antigo Hospital Monte Cristo, e continuar o plantão noturno.
Já se faziam 18 anos desde meu início como médico cirurgião no município de Contagem! Desde então, passamos por várias situações no país, com momentos de euforia e crescimento econômico, geração de empregos e expansão do comercio e indústria. O país fervilhava no “boom” da globalização e crescimento mundial, e os dados da economia eram sempre crescentes. Mas vieram também os momentos duros, de revelações das relações inescrupulosas institucionais, denúncias de corrupção, operações da polícia federal como a Lava Jato, e estagnação da economia, recessão e desemprego. Uma crise política assolava o país e a polarização ideológica foi instaurada. No âmbito municipal, passamos por várias administrações locais e participamos da inauguração e implementação do novo Hospital Municipal, além de projetos épicos que tiveram grande repercussão na saúde local, como o programa de residência médica, responsável atualmente pela formação de mais de 20 médicos especialistas. Muitas conquistas e amigos foram construídos desde então! Vivi e presenciei situações tristes, extremas que demandaram momentos de reflexões e questionamentos pessoais na vida de um médico. Devemos não se esquecer, que o médico antes de ser este profissional, também é um ser humano que sente e transparece todas situações de stress e tensão. Salvar uma vida pode levar segundos, como perdê-la também.
Agora estávamos diante do maior desafio de nossas vidas com a COVID-19. A população mundial nunca, na história recente moderna, havia sido surpreendida com algo semelhante. A globalização cessou, as fronteiras foram fechadas e o mundo silenciou. A divulgação de mortes em escala crescente assolavam as telas das televisões. Primeiro a Europa chorava suas estatísticas pavorosas, principalmente a Itália. Me recordei de tantos imigrantes brasileiros que rumaram ao velho continente em busca de melhores dias e agora, longe dos seus entes queridos, padeciam da pandemia em solo estrangeiro sem suporte legal nenhum. Após, o Tio SAM, na estátua da “liberdade” teve que se curvar ao novo vírus. Relatos de médicos amigos que estudavam ou trabalhavam nos EUA mostraram que essa doença realmente era algo novo e extremamente nocivo.
E, finalmente recebemos no solo do samba e alegria, nosso primeiro paciente originário da Europa trazendo em suas bagagens, o tão temido vírus. Desembarcou em São Paulo, polo industrial e mais densamente populoso do país. Seria uma peça do destino? Não, e as estatísticas foram crescendo. Aquela cidade, uma das maiores do planeta e referência para o mundo econômico parou!!! A Sampa que gosto tanto, seja pela dinâmica urbana, diversidade cultural e étnica, modernidade e pioneirismo foi assolada pela doença que quase esgotou seus leitos semi-intensivos. A população sofre e, governantes sem discurso confluente, erram e acertam conforme a conveniência. As montanhas de Minas se fizeram presente tentando barrar a enfermidade, mas a doença foi mais versátil e conseguiu passar pelas sinuosas curvas e vales da nossa mineiridade. Chegou na terra do café com leite, da cachaça e cerveja artesanal. E fomos proibidos daquilo que o mineiro mais gosta, que é referência mundial: a hospitalidade. Nós fomos privados de receber pessoas e abraçar, de fazer as visitas e ter aquela prosa. A capital mundial dos bares ficou em alerta, e Contagem foi acionada para tomar as medidas de segurança. A avenida João César de Oliveira parou, os shoppings fecharam e, acreditem, a famosa feira do Paraguai foi lacrada. As demandas sociais começaram a aparecer e os empregos foram encolhendo. As empresas começaram o movimento de se reinventar para sobreviver. Os mais carentes se multiplicaram e nos unimos em correntes solidárias. Realmente nunca esperei ou esperávamos vivenciar isso!! Mas somos fortes, sempre fomos e precisamos ser mais ainda para que a reconstrução seja mais linda que esse momento de tristeza. Que essa força seja maior para tomarmos exemplo que temos de sair melhores, independente das perdas! E, espero poder escrever todas essas maravilhas na próxima edição!